quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Comentário ao filme “Desmundo” de Alain Fresnot, inspirado na obra homônima de Ana Miranda



As mancebas, nenhuma de nós dormia, de boca fechada, os ouvidos alongados, cada qual a pesa em seu coração que dias viriam, que ventos assoprariam, o que haveria ali, recolhidas nos pensamentos de nossa fortuna, ocupando-os no sentimento das coisas que nos mais doíam, uma inquietação de pouco sono e medo das nossas próprias imaginações, as quais nos faziam desejar grandemente a chegada da manhã porque tudo quanto podíamos estender aos olhos era a pequena ordem com que a desventura nos tinha cortado a vida.”


O trecho acima é parte do livro “Desmundo de Ana Miranda”, texto que originou filme com o mesmo nome. Trata-se de uma narrativa em primeira pessoa pela voz de Oribela, uma das tantas órfãs que são enviadas pela rainha de Portugal ao Brasil a fim de constituírem casamento com os primeiros colonizadores portugueses que aqui estavam.

Toda a história se passa por volta de 1570. Ana Miranda consegue no romance, resgatar o português arcaico e dar ao seu texto maior verossimilhança. A voz que conduz toda a narrativa é a da jovem religiosa, sensível, Oribela, que sem possibilidades de escolhas, vê-se em um mundo que ainda emerge no caos da colonização, mas que já manifesta muito claramente como eram tratadas e vistas as mulheres à época.

O filme tem uma bela fotografia, um figurino primoroso e a atuação de profissionais como Simone Spoladore, Caco Ciocler e Osmar Prado. Ele propõe um novo olhar sobre o processo de colonização. Em uma escolha ousada, traz a história do Brasil pelo prisma de uma mulher, um segmento a tanto silenciado.

A adaptação da obra de Ana Miranda aponta as relações comerciais, a influência da igreja, o trato com as mulheres no contexto do processo de colonização do Brasil. Mostra os movimentos que determinaram o surgimento do “povo” brasileiro. A presença do índio, do negro, dos missionários católicos.

Todo este contexto serve de pano de fundo para que Oribela lide com a nova realidade na qual se vê. A violência de ter sido arrancada de sua terra, de sua ordem religiosa, é radicalizada quando se vê obrigada a casar-se com um estranho, por quem só consegue sentir ojeriza.

Desde o primeiro momento em que percebe como se darão todos os acontecimentos a partir daquela viagem de nau às terras brasileiras, Oribela mostra-se disposta a lutar contra o destino que lhe fora imposto. Resiste à tentativa do marido de ser tomada como esposa, tenta convencê-lo do que representa para ela dormir com alguém que não conhece.

Foge por duas vezes e na segunda conhece Ximeno com quem vive uma grande paixão. Mas Francisco de Albuquerque, seu marido, não abre mão daquilo que considera uma propriedade sua e vai em busca de Oribela. Os dois homens confrontam-se e Ximeno é morto. A história se encerra com Oribela deixando sua casa com um filho no colo, resignadamente.

Na narrativa apresentada, em nenhum momento as mulheres têm a possibilidade de decidir seus destinos. Sua vontade, seus desejos é o que menos importa. Sua condição primeira é de servas de seus maridos, destinadas a cuidar da casa e parir, a fim de assegurar a continuação de sua linhagem, e apenas isso.

O filme pode ser um valioso recurso pedagógico, já que permite uma reflexão sobre o processo de colonização do Brasil, proporciona o conhecimento de como era falado o português arcaico e traz a inovação de ter uma personagem feminina emprestando a sua voz à condução da narrativa.

Pode ser usado como um referencial para se discutir como se constroem as convenções culturais, as identidades sociais e como elas podem ser desconstruídas.

A palavra “Desmundo” em si, revela a idéia de um mundo em processo, em um entre lugar. Todos os novos residentes daquele mundo, negros, colonizadores, as órfãs trazidas pela imposição da corte portuguesa, vivem em um “não mundo”.

Filme recomendado àqueles que desejam compreender a gênese da história brasileira e especialmente como surge a forma de compreender a mulher no contexto de suas relações sociais.



Alunos selecionam textos jornalísticos para montagem de Jornal Mural na sala de aula e recebem acompanhamento em visita à biblioteca da escola.


Refletindo sobre o livro didático

O encontro destinado à análise do livro didático mostrou-se muito proveitoso. Cada aluno levou o livro em uso com os seus alunos e apresentou para a turma algumas considerações. Foram abordados aspectos como: projeto gráfico, proposta de atividades para produção de texto, projeto de estímulo à leitura.

Concluímos que o livro didático é um valioso recurso pedagógico, mas que a sua escolha deve levar em conta questões como: qual a noção de língua adotada ou sugerida nele? Ele propõe atividades ligadas à oralidade? Oferece textos diversificados? Ensina a produzir textos?

Foi mencionado que o livro didático surgiu como uma resposta à necessidade de auxiliar o professor no seu trabalho, em uma época em que não existiam tantas universidades e instituições para formar professores. Diante da universalização do ensino, a demanda por professores cresceu de maneira expressiva e mesmo aqueles que eram professores “leigos” passaram a assumir turmas. Estes professores recebiam o manual didático para que tivessem diretrizes que norteassem o seu trabalho.

Os primeiros livros didáticos apresentavam problemas ligados à representação estereotipada de minorias como negros e mulheres. No caso dos livros de história se privilegiava uma versão “romanceada” que contribua em pouco para formar cidadãos críticos.

Hoje, o Ministério da Educação formulou critérios rigorosos sobre os quais os livros devem se orientar. Para ser selecionado o livro precisa passar pelo crivo de professores e obedecer a uma série de pré requisitos.

Vale destacar que um professor pesquisador, terá, também sobre o livro didático, um olhar lúcido. Além de avaliar as questões aqui apontadas e outras tantas sugeridas pelo MEC, o educador deverá observar também a compatibilidade deste livro com o perfil dos seus alunos. De alguma maneira aquele livro deve dialogar com a realidade do público a que se destina, deve fazer sentido para ele. Mesmo porque, concluímos no curso, que só o livro didático não daria conta, por exemplo, de por si só formar leitores.